












A pequena história que vou contar estragou-me o dia, nao só pela história, mas por ser o culminar de uma situação que irrita a minha orelha esquerda.
Ser emigrante é, quer se queira quer nao, ser olhado pelas outras pessoas como: "Este-não-é-de-cá". Nao digo que é bom ou mau, apenas uma reacção natural. Tantas vezes aconteceu-me em Portugal e cruzar-me com pessoas que notoriamente nao tinham "aspecto de Tuga". Se era só a mim que isso acontecia, entao é mau sinal.
E comigo a regra nao foge. Mesmo num pais que por vezes reune Americanos, Mohamed's e Pierre's em pouco mais de 1 km2, nota-se que há sempre aquele "que-não-é-de-cá". E eu, notoriamente, sou um desses.
Isso implica que, quando vou a passar na rua, levo por vezes com olhares que eu proprio fazia antigamente. Ao inicio pensei que seria pela raridade de ter as pernas algo curvadas, mas depois percebi que nao.
É, nalgumas vezes, desconfortante. Porque as pessoas continuam a olhar mesmo depois de eu olhar para elas. Quando me enerva particularmente, finjo olhar para tras, na procura de um ponto invisivel para onde a pessoa tivesse a olhar. E quando volto a cara, o olhar desapareceu.
Mas hoje, excederam-se.
Estava a ir de bicicleta para casa, vindo do Albert Heijn (o supermercado da zona, fusao de Pingo Doce [decididamente a musica ambiente é enervante], Continente, e tem algo de Jumbo e MiniPreço) . Encontrava-me na longa avenida "Het Kleine Loo". Estava algo deserta, os dois sentidos estavam sem carros, e apenas umas pessoas atravessavam para irem ao centro comercial aqui da zona.
Eu estava perdido nos meus pensamentos, enquando ouvia o meu mp3. Estava bastante frio, portanto levava o capuz (mesmo nao estando a chover), o cachecol. Resumindo: ia bem agasalhado.
Começa o festival: passa por mim um carro da policia. E ao passarem por mim, resolvem abrandar. Mas quando digo abrandar, foi literalmente manterem a mesma velocidade que eu (baixa, por sinal). Nisto, um dos policias (o do banco do pendura), começa a olhar fixamente para mim. Nao foi 1 segundo, foram 10 ou mais. E nisto, la iamos "caminhado" alegremente pela avenida. Fiquei irritado, e tirei o capuz para me verem melhor a cara. O policia deixou de olhar... por 1 segundo. De seguida voltou a fazer a figura de parvo que estava a fazer. A certa altura o carro acelerou e parou nos semaforos em frente.
Entretanto pensei rapidamente que podia estar a infrigir alguma regra de transito. Mas vejamos: lado certo da via, sim. [Embora veja com cada anedota todos os dias..] Luzes, nao eram preciso: estavamos de dia e sem nevoeiro. Musica? É permitido.
A pista das bicicletas cortava pela estrada dentro: dividia a faixa dos carros que queriam seguir em frente, como eu, da faixa dos que queriam virar para a direita, que era o caso da policia.
O semaforo deve ter aguentado de proposito para que eu chegasse. E nisto, a minha bicicleta pára lado a lado com o carro da policia. Evito olhar para eles, e quando o faço, respirei bem fundo: Estavam os policias a olhar para mim, outra vez com cara de caso. Mal perceberam que eu estava a olhar, desviaram a cara. Entretanto o semaforo deles tinha aberto, e seguiram.
Caros amigos, e mesmo sabendo que tambem os meus pais leem isto, eu gostava de dizer que, naquele momento, por 1 milesimo de segundo eu pensei em bater na janela do carro e perguntar:
"Good morning, Officer. Is there any problem?"
Acho que esta foi a versao soft, que me passou pela cabeça. Depois do sucedido e deles terem ido embora, confesso que me apetecia incluir algumas asneiras para tornar a frase ciente do quanto me tinha irritado aquela cena toda.
Enfim, tirando este promenor, parece que vivo em Haia há mais de 1 ano. A neve começa a aparecer, e a dar um colorido ao Natal que so via em filmes. Surgiu tambem uma proposta para ser organista numa igreja protestante, que se Deus quiser, irá-se concretizar.
Vidas..!
Os dias vao passando, e a rotina começa a tomar forma. Gosto, porque uma rotina bem feita pode ser sinal de muito bom trabalho.
Disseram-me que de manha o Conservatório costuma ter as salas de piano disponiveis, pois nao é tanta a procura. Optimo. Gosto de acordar bem cedo e começar a trabalhar. O poderia nao ajudar, mas como está sempre a chover, a acto de ignorar ficou automatico.
Entretanto o meu quarto ja começa a ganhar forma. Gastei uma hora a montar um pequeno sofá que só tinha 4 peças (o que fez uma grande ironia à minha forma de pensar que tinha facilidade em montar moveis do IKEA). E outra hora e meia a montar o armário. Apesar de a casa ficar "longe" relativamente ao conservatório (40 minutos a pé. Uns quantos menos de bicicleta. 10 mintuos de tram), sabe bem ter um espaço. E um espaço tao bem perservado como a casa que encontrámos.
Entretanto, ontem finalmente tive a minha primeira conversa gregoriana por Skype. Tenho-o utilizado regularmente para falar com a familia. As potencialidades de ter mais que duas pessoas à conversa é fenomenal. Matam as saudades, que apesar de poucas, vao surgindo.
A minha unica aula amanha é às 8 da noite em Amesterdão. Gosto de "viajar" com a rapidez que eles aqui proporcionam, e nao estarmos restritos a um pequeno espaço. Fantastico, mesmo!
Faz 5 dias (nem tanto) que estou em Haia, e parece que já cá estou há um mês. Para tal, ajudou as 3 horas de caminhadas diárias, onde já percorremos (eu e a Ana, a minha room-mate) Haia de uma ponta a outra.
Fomos à praia, e apesar de alguma distancia (vai-se de autocarro, que daqui demora 15 minutos. Embora os preços de viagem sejam caros relativamente a Lisboa), é impossivel nao sentir uma alegira por ter um local tao bom como aquele. Os bares que rodeiam a praia, mesmo com tempo nublado, fazem esquecer o frio, e lembram (talvez) um Verão, que nao estando presente pelo calor, está pelo espirito.
A procura de casa tem sido intensiva, mas começa a dar os seus primeiros frutos. Hoje é dia de visitas a casa (vou visitar uma que fica.. junto à praia!), e tambem de marcar contacto com uma colega organista. Mais um dia agitado, a nao fugir à regra, mas que felizmente é por uma boa causa.
Hoje, com o regresso do Nuno a Haia, a casa encheu-se de mais música. O cravo da Maria ja está afinado, e nao resisti em estudar um bocadinho. Mal, talvez, mas deu para animar o ritmo de estudo que teimava em abrandar.
Ja parece que passou um mês.
Algures em Torres, 18 de Agosto, perto da meia-noite:
A Holanda é mais que uma viagem, mais que uma simples entrada para a universidade. É uma folha limpa.
Nas folhas limpas exige-se desenhos brutais ou textos fantasticos. Mas neste momento, apetece-me apreciar essa folha limpa, como há tanto nao tinha. Nao que as anteriores fosse más, contudo é sempre bom ver um recomeço.
Ás vezes tenho dificuldades em perceber as pessoas. Tenho certas dificuldades a deslocar-me da minha maneira de pensar, e perceber que ha muitas estradas tambem. E isso, logo aí, faz afastar.
Por isso, as minhas folhas anteriores costumam ter alguns pontos de interrogação. Alguns bem grandes.
Nao se ouve nada lá fora. Comigo, a jogar Trivial Pursuit, está a Ana, o Tiago, a Débora e o Eloi. Falta pouco para partir para a Holanda e as despedidas vao-se fazendo. Dizem: "Há Internet e, no maximo, voltas em Dezembro." Sinto o nó da garganta.
A folha branca é pessoal e intransmissivel. Todas as semanas se acrescenta algo. Nem que seja um ponto.
9 dias.
O tempo para descansar parecia, ao inicio, pouco. Um mês. No entanto vou a metade das férias e parece que as datas e os locais sao escolhidos minuciosamente bem. Nao por mim, eu talvez lhe chame coicidencia. Mas sei que nao.
E continua a preparaçao para o desenrolar do Capitulo. Nao vale a pena tentar adivinhar. Quando chegar, verei o que foi escrito.
Algures no Norte, 00:30..
Em 2010 fala-se em planos tecnológicos. Aqui vislumbra-se pela primeira vez a construcçao de uma autoestrada. Ironias.
Confesso que só a duraçao da viagem até aqui (8 horas) cria em mim uma certa inércia. Mas depois de chegar, pergunto-me: custou?
E, hábito feito em 2007, cá estou eu, no terraço. Espanha estende-se no longo preto, tal como uma tela de cinema. Ao longe ouve-se o som da banda que hoje actua aqui na festa de Bemposta. O calor é suficiente para se andar descalço, sem mantas. Noite de verão.
Este é mais um dos meus refúgios. É sempre a re-descoberta de uma cultura que, não tenho duvidas, tenderá a desaparecer. Hoje, acabado de chegar, fui assistir a uma missa e depois a sua procissão. Imagino, outrora, a aldeia a caminhar junta atrás do andor. Hoje já não, eramos poucos, tao poucos que agora a mesma aldeia olha-nos da janela de casa, em tom de curiosidade.
Sempre que cá volto, lembro-me das perguntas que deixei no ar, no ano anterior. Para ser verdadeiro, lembro-me das minhas dúvidas, sugestoes ou ambições dos ultimos 5 anos. É quase como me ver a mim próprio, com essa idade, sentado aqui ao meu lado.
De repente, pergunto-me: “Qual foi a altura do maior desafio?”, e instanteneamente todos respondem: “Foi comigo!”. Sim, sempre senti que o maior desafio estava a acontecer. Óptimo! E se assim continuar, é optimo sinal. Não deixo de notar a curiosidade: todos os desafios eram diferentes.
Na minha viagem para aqui, quando me encontrava em Torre de Moncorvo, virei-me para trás e perguntei para a rapariga que estava atrás de mim “se o autocarro efectuava mais alguma paragem”. E assim começou uma conversa enorme que se estendeu até.. à paragem final, terra origem da rapariga. Não soube o nome dela, nem ela o meu. O tema “faculdade” encheu o tempo suficiente para uma discussão agradavel atraves dos metodos de avaliação do seu curso (Medicina) e o meu (Matemática). Sim, tambem estranho como tal foi possivel, mas depois de 6 horas naquele autocarro já me parecia normal.
Desde há 6 anos a viver em Lisboa, contou-me que era algo dificil vir passar 15 dias aqui ao Norte: “Sempre a mesma pasmaceira”, justificou. E por vezes não será preciso?, pensei. Parece que as pessoas tem medo de parar. Pensar. Pensar nem que seja nas coisas menos importantes. Só trazer a Internet comigo já é “contraproducente”, mas o futuro requer.
Mesmo aqui no fim de Portugal, onde esta zona já marca fronteira com Espanha, mesmo numa noite de Verão, não me sinto sozinho. É aqui que Arquitecto o ano que vem. Arrumo a cabeça com toda a calma que se precisa.
Noite de verão. Assim percebo bem S. Francisco.
É interessante pensar que, de todos os desafios que ja tive na minha vida, o que se segue nao teve igual.
E os grandes/pequenos prazeres da vida vao pautando o caminho. Amanha é mais um concerto IGL. É assim que se descansa, e é assim que se prepara o novo desafio.
Quando lemos um livro, e o primeiro Capitulo cativa-nos, é dificil nao querer virar a página e "devorar" as restantes páginas que se seguem.
Quando o primeiro Capitulo acaba, percebemos que entao há uma mudança. Somos quase "obrigados" a virar à página, e perguntar o que ligam os dois capitulos. Qual o enredo.
Nao é preciso serem grandes capitulos, até porque "muitos pequenos capitulos fazem uma grande história".
Seja. Agora, com calma, vem o II.