terça-feira, 28 de dezembro de 2010

2010 em imagens




















quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

1144 - 1146

Amanha é dia de partir, portanto achei que devia dizer adeus a Jos, o meu vizinho. 

[pausa]

Revi neste momento todo a conversa que mantive com ele, e acredito cada vez mais que a distancia que existe no nosso caminho é a suficiente para enriquecer a vida de cada um.

Sentados no sofa, a ver televisao, sem olhar para horas. Cerveja na mao. Partilha de histórias. 

Fui jantar em 20 minutos e voltei com o portatil. "I wanna show you something, Jos!"

E durante uma hora, mostrei onde fica Faro e Trás-os-Montes; mostrei como se distingue a minha casa em Lisboa das restantes, por satelite; falei-lhe dos Açores e da Madeira. E se a atençao dele era desviada pela televisao, tambem eu nao deixava de olhar para o jogo de futebol. 

Ele estava fascinado. Ele estava a aprender o pouco que eu lhe podia ensinar. Mas estava a aprender. E aos 77 anos, creio que Jos está a fazer a viagem mais confortavel que podia fazer, a Portugal.

Isto foi a minha história. 

A história dele foi um desabafo de vida.

"Do you know, André, that every morning I wake up and I said always the same 'I can do whatever I want!' ? ", e riu-se. Nesse momento confirmei aquilo que já tinha dito, Jos parece que está num final de dia enorme, que nao acaba. E naquele olhar que ele re-lançou à televisao, percebi que a sua simplicidade de vida era isso mesmo: um descanso.

Falou entao numa das profissoes que teve. A certa altura disse: "I was always working. Then my wife gave me life". E um olhar de relance na fotografia que enriquecia a parede do outro lado da sala fez-me perceber que tambem o seu descanso era conformismo.

Se sempre que for a casa de Jos voltar com pensamentos e reflexoes de vida para semana e meia, vou sair da Holanda completamente renovado.

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Sao 3:20. O sol começa-se a por e tenho o meu "sofa" virado para esse lado do horizonte. Um ceu limpo como ja nao podia desfrutar ha imenso tempo.

Meio desprevenido, marcou-se aula para amanha à tarde, ultimo dia por cá. Custa-me a levantar, mas tenho que ir tocar. 

A cor neste por do sol ja existe. Vou agora acrescentar o som.

sábado, 11 de dezembro de 2010

Viagem no Tempo

Cheguei a Haia a 30 de Agosto, com uma mala e duas mochilas. Muita vontade de tocar, curiosidade de quem nao sabia bem o que lhe esperava.

Na quinta feira, dia 16 de Dezembro, vou desligar a luz do meu quarto e fechar a porta da minha casa. Saio de Haia com hábitos novos, como acordar todos os dias com o nascer do sol, ou jantar enquanto vejo comboios a passar, ao longe.

Cheguei a Haia cansado de uma pequena viagem. Parto agora cansado de 3 meses e meio sem parar, sem regressar, mas com um sorriso na cara de quem sabe de que, fazendo um bom trabalho, ainda tem muito por melhorar.

É bom ir renovando desafios. Só assim nao caio no erro de parar, de estagnar nalgo que nao é o "final".  

Cheguei a Haia vindo de um Verão que me preparou para estes dias. A saudade foi acumulando. Volto agora, no Natal, para "esvaziar o saco". 

E assim se ganha ainda mais gosto naquilo que se toca!

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Geraçoes

Jos van Aken, 77 anos.

André Ferreira, 21 anos.

Quando às vezes penso se tambem a minha vida dará um filme, um dia, julgo sempre que nao. Mas estas histórias que acontecem sao verdadeiramente dignas.

Foi em Outubro que abri a caixa do correio para tirar o papel que dizia que o pack da Internet tinha chegado, mas que ninguem estava em casa. Subi para casa, e deixando a mochila, preparei-me para ir aos correios. Ao descer, olhei de novo para a folha. Estava em Holandes, mas percebi rapidamente que a encomenda afinal tinha sido deixada com o vizinho do 1148.

Bati à porta de "J. D. van Aken", como estava escrito na entrada. Receie que nao falasse ingles, mas levei o meu passporte para perceber que a encomenda era para mim. Abriu um senhor velhote, mas alto e possante. Cumprimentou-me bem disposto, e sabia falar ingles. Disse que tinha a encomenda consigo, e convidou-me a entrar. Expliquei-lhe que eramos os seus novos vizinhos. E quando falei de Portugal, rapidamente ele disse: "Cristiano Ronaldo?" e eu sorri. "Serve!", pensei.

E no hall de entrada, começámos a falar de futebol. A meio interrompeu-me e disse: "Do you have free time?". Que pergunta, pensei num milésimo de segundo. Se tenho tempo? Sim, nao falta. Estudar em casa dá nisso. Por mais que estudemos, ha sempre algum tempo livre, pelo menos para mim, que nao consigo maratonas "espantosas" de 8 horas de estudo desesperadas. "Sure!", respondi. "So, when you have free, come here, so we can talk." E percebi que talvez nao fosse o único ali que passasse as tardes todas sozinho.

Despedi-me com a certeza de que iria lá voltar. Para lhe poder fazer companhia, para podermos falar, enfim... para a minha vida aqui em Haia tambem ganhar ainda mais sentido.

Um mês depois, num jantar aqui em casa, esqueci-me que nao tinha abre caricas para a cerveza. E fui bater à porta de Jos, na esperança (ou quase na certeza) de que me ajudasse. Percebeu o que eu queria, e encarregou-se logo de procurar por algo. Mesmo após ter encontrado o saca-rolhas, que na ponta costuma ter o que eu procurava, ficou desapontado: "I have so many of them, but I can't find...!" .. "No problem, Mr van Aken! It's opened!". Muitos "Thank you very much!", e claro, mais 5 minutos de futebol. 

Regressei para casa, tendo a leve sensação de que a conversa nao tinha ficado por ali. E pouco após ter-me sentado à mesa, bateram à porta. Era ele, erguendo um abre caricas, dizendo: "This one is for you, keep it!". Estava um gelo desgraçado, portanto so me veio a ideia de que ele tinha que regressar rapidamente para a sua casa (que fica a meio segundo da minha..). Disparei uma metrelhadora de "Oh, Thank you so much!" e umas quantas coisas balbuciadas. 

Esta terça feira estava a terminar o meu estudo, quando alguem bateu à porta. O correio nao era, porque aquela hora ja nao podia ser. E tambem ainda nao eram horas de as raparigas estarem a vir para casa, portanto pus as minhas maos no fogo em como seria Mr van Aken. Abri a porta, e lá estava ele. Perguntou sem hesitar: "There's gonna be a football game in TV. Do you want to see?". O Sporting ia jogar nessa noite, e pensei em guardar o tempo de descanso para depois de jantar. Mas achei que nao devia recusar. Disse que sim, e foi o tempo de vestir o casaco (sorri ao pensar que tinha que pegar no casaco, chaves, telemoveis e... ir para a casa ao lado).

A casa é mais pequena que a minha, embora com a mesma estrutura. Entrei na sala, alcatifada. Sabia bem entrar num sala "mobilada". 2 gatos pretos, "nao, nao vao dar azar", pensei. Convidou-me a sentar. De rompante olhei para a pequena mesa dos jornais, em frente aos sofas. Uma garrafa de vinho, cigarros, uma quantidade enorme de bombons. 

A primeira pergunta que me fez era obvia: "What's your name?". Insistiu que eu bebesse uma cerveza. O jogo começou, mas percebi que havia tanto para falar que seria dificil ver o que fosse. Perguntou-me o que eu estudava, e desbobinei parte da pequena historia universitária. Franziu o sobrolho quando percebeu que eu estava inscrito em dois bacherelatos em paises diferentes, em sinal de "God! Are you crazy?". 

Falou, entao, da familia, enquanto mudava incessantemente de cigarros. Era viuvo, e era bisavo. De repente percebi o quao "longe" estavamos. Afinal, ele tem mais do triplo da minha idade. Perguntei-lhe qual tinha sido a sua profissao. 

Riu-se e inclinou a cabeça. Acho que ja sabia que eu ia ficar espantado. "Me? I was the house keeper of the Queen's Palace!" Ja fiz muitas expressaos de olhos esbugalhados, ar espantado, mas nada que se compare. Apontou-me entao uma fotografia da rainha. Levantei-me, e fui ver à prateleira. Ri-me. Era a Rainha e o Rei, e estava com uma dedicatória e assinatura da Rainha.

A partir daí o futebol deixou de existir, so havendo tempo para uma rápida olhadela aos golos. Contou-me histórias de vida, que me fazem pensar o pouco que percorri, e o que ainda tenho que percorrer. Mas nao so falava, tambem queria saber. "I want to know everything about Portugal!", dizia. E percebi que olhava para alguem que viajava, sempre, sem ter que sair o lugar. Eu far-lhe-ia essa viagem. E de repente senti-me melhor, por poder ajudar. 

Histórias de ambas as partes. 

Hoje olhei pela janela para ver a rua , de noite. A neve cobre tudo, e parece que deixa o escuridao com ainda mais vazio. Mas do lado esquerdo, la estava a luz acesa da sala de Mr van Aken. Estará a ver a sua colecção de selos? Ou a ver mais um jogo de futebol? Nao sei, mas saber que tambem ele está ali parece ser agora familiar.

E se eu ainda puder tambem fazer a diferença na vida dele? Para mim, ja fez.

Foi entao a primeira vez que me apercebi que se Pedro de Arimateia tivesse envelhecido, encaixaria na perfeiçao.

Geraçoes.