quarta-feira, 30 de março de 2011

Crónicas

Pousa o copo de cerveja.

Lança um olhar rápido à televisão. Sobre as pernas tem um pequeno livro. Vejo que continua a nao descuirar a leitura. Sorrio a pensar nisso.

A mesa está coberta de imensos chocolates, papeis e cinzeiro.

Pergunta-me, então: "André, quando tiveres uma segunda casa fora de Portugal, como eu sei que vais ter, onde irá ser?"

Sorrio ao ouvir a segurança da afirmação.

Respondo-lhe que não sei. Talvez Escócia.

Entramos numa acesa conversa sobre vários países da Europa. Discutimos mais em detalhe onde realmente valeria a pena ter uma segunda casa.

E nessa casa, que já existe ainda antes de eu a ver, vejo um projecto. O dele e o meu. Passagem de testemunho.

Não sinto que tenha faltado nada na vida de Mr. van Aken. Fez, de tudo, um pouco. Oiço-lhe atentamente as palavras. Sábias, de quem já muito viveu.

Nunca me ouviu tocar, nem mesmo viu algum teste meu de Matemática. Mas sinto, dele, uma fé em mim.

Ele, que trabalhou entre a Realeza, descansa agora todos os dias. Para mim, ouvir as suas histórias é uma marca de vida. 

É mesmo aqui ao lado.

sexta-feira, 25 de março de 2011

Vou-me deitar, cansado. Amanha é acordar cedo, o estudo de Matemática e Órgão continua.

Mas hoje vou dormir ao Vilar. 

Dou importância à familia porque é a base do que nós somos. É a nossa história mesmo quando não existiamos. E para mim é importante conhecer essa história.

Nunca achei almoços de Domingo, no Vilar, aborrecidos. Pelo contrário. Se nao levasse livros para ler ou estudar, era garantida uma tarde a "comer" filmes na televisao. Era ir para o quarto-lá-de-cima, onde parecia já um mundo à parte, sem ninguem para nos aborrecer.

Ouvir histórias do passado é compreender o futuro. Porquê? Só assim percebemos que há mais responsablidade em nós: fazer ainda melhor. Se na história de cada familia os mais novos quisessem "fazer ainda melhor", seria de louvar. 

Hoje fico no Vilar, sem ligar a tempo. Ate deixo os telemoveis aqui em Haia. 

Entro e oiço o relógio de corda, naquele tic-tac que faz o acompanhamento da casa. Subo o degrau, vou para a sala. Entro, lanço um olhar de reencontro e saio. Estou mesmo cansado, vou para o quarto.

Subo as escadas, que estremecem com o meu peso. A cada degrau lembro as várias temporadas naquela casa: alguns Natais, férias de Verão, tardes de Domingo, ou simplesmente outros momentos sem catalogação.

Aqui tambem estou em casa.

quarta-feira, 16 de março de 2011

Mudança


Fotografia por Florin Zamfir (Den Haag Beach Sunset)

Mudei a secretária.

Virei-a para a enorme janela que cobre uma das minhas paredes. E enquanto estudo, se levanto a cabeço vejo uma paisagem magnifica: um descampado de relva com vivendas pequenas à volta. Um pequeno ribeiro com uma ponte. 

Vejo pessoas a andar de bicicleta e a correr.  Outros aproveitam o sol, deitados na relva. Ao longe vêem-se comboios a passar. 

Volto a cabeça para os livros. Sim, para os livros. O estudo de Matemática exige-se bem feito. Sinto a obrigação moral de faze-lo bem feito. Talvez por isso me levante manha cedo para sentar-me à mesa.

A saudade de estudar Matemática dá um empurrão aos exercicios mais dificeis. Sinto-me mais organizado no meu estudo.

Em órgão, tudo decorre normalmente. Agora, pela necessidade de estudar Matemática, tenho que fazer mais em menos tempo. Mas isso ajuda: a concentração é maior.

O final do dia é cada vez mais reconfortante. Coincide com o por-do-sol. E Haia começa a ganhar, finalmente, mais côr. 

sábado, 5 de março de 2011

Portugal

Basta entrar no metro de Lisboa para perceber que estou na minha terra.

Ao primeiro banco ja se vê um idoso, de cabeça baixa e olhar melancólico. Sina, talvez, mas quando caminho pelas ruas lisboetas este olhar repete-se vezes sem conta. Um olhar resignado de quem parece acreditar que nao teve sorte com a vida.

Parece bastante foleira ou filosófica a descrição que acabei de fazer, mas é uma realidade. Sempre que viajo na Holanda nunca me deparo com um cenário igual. É talvez a nossa mentalidade e a inércia em mudar. Estamos mal, por natureza. 

Ninguem se espante quando digo que me sinto bem no meio de tanto olhar preocupado. Porque já nao será essa geração que fará a diferença, mas sim a minha e as que me precedem. Enquanto ia para Torres Vedras, falava com o Tiago acerca da necessidade de estudar lá fora.. mas voltar. Voltar para mudar.

Sempre que vou ao estrangeiro solidifico a ideia de que há imensa qualidade em muito trabalho Portugues. Mas no estrangeiro (e agora em particular na Holanda), essa qualidade é vista como natural e tem tendencia a espalhar-se mais rapidamente. Nós gostamos dos "poços raros", dos acontecimentos noticiosos televisivos de quem "ganhou uma bolsa lá fora". Parece raro, talvez seja, mas se nada for feito para mudar...

É por isso que gosto de saber, pelo menos dentro do meu nucleo de amigos, que há imensa gente com vontade de ir aprender e voltar. Talvez assim se possa mudar.

Foi com este pensamento meio em desenvolvimento que ontem percorri, com a Débora e o Tiago, a estradas que envolvem Torres Vedras. O escuro da noite permitia ver uma paisagem que deixa saudades e nostalgia mesmo antes de partir. Paisagens tao caracteristicas de um país que é meu e que nao nego.

E é no silêncio reconfortante da minha casa de sempre que digo: segunda feira vou trabalhar. Volto em Maio.