quinta-feira, 27 de setembro de 2012

A minha aldeia

O banco em que estou sentado range a qualquer movimento. A missa já acabou mas agora vai haver procissão.

Da sacristia alguem inclina Cristo crucificado, que está fixo uma grande vara de prata, fina. Ao passar a porta, o pequeno Cristo ergue-se. Ladeiam-no duas lanternas antigas, tambem de prata, mas cujas pequenas portadas de vidro estão sujas pelo tempo. Há um sabor melancólico, triste.

Dirigem-se para o centro da igreja, onde está a estátua de Nosso Senhor de Passos. Já sobre o andor, devidamente enfeitado. Levanto-me do banco, rangeu. Olho então para o inicio da igreja, onde as portas estavam abertas para a procissão se iniciar.

O cenário de fundo eram montanhas em pôr-do-sol. Eram um misto pequeno de tons, entre o verde e o castanho. Esconde bem que ali passa, na suposta aresta que une o sopé das montanhas, um rio. Ninguem saberia. O Douro. Sim, é essa a paisagem. De ouro.

O andor já saiu da igreja, mas deixo-me ficar. Espero que a multidão comece, seguirei no final, sento-me de novo. A média de idades na procissão deverá ser os 50 anos. Que a minha matemática nao me atraiçoe.

Levanto-me, fazendo ranger o banco ainda mais. Sigo a procissão pela aldeia. Dizem que já não é o que era. Acho que sim: a procissão passa, e as janelas abrem-se ao longo das ruas. Pessoas curiosas debruçam-se sobre o parapeito. Olham para a procissão como um espectáculo qualquer que serve para preencher o programa de festas, que embora não saibam, é construida em torno da festividade religiosa.

A procissão avança, entrando cada vez mais para o centro da aldeia. Emigrantes voltam todos os anos para este fim de semana especial, onde parece que por dois dias a aldeia volta a ter tantos habitantes como antigamente. Reparo então, com um sorriso de vida, que agora eu tambem sou emigrante. Não o sinto, mas sou.

Lembro-me de lá em casa, nesta aldeia, em torno da lareira, se actualizar diversas pessoas da aldeia. "Então e o filho de fulano?", "Está para a França", dizia a minha tia. E isso parecia-me imensamente longe. Quase outro planeta. Emigrantes que estão para a França, Espanha, a trabalhar ou a estudar, nunca se sabe bem o quê.

Sou um deles, agora. Terão perguntado por mim, e a minha tia terá dito: "Está para a Holanda, a estudar música". E que estranho que soa. Se tivesse mais um daqueles famosos encontros entre eu e eu-mais-pequeno, tambem ele pensaria que eu tinha mudado de planeta.

Mas não.. Quando volto à minha aldeia, tudo volta à normalidade. Tambem é porto seguro. Será perto do "fim-do-mundo", da quase discivilização. E ainda bem.

E sigo na procissão, braços cruzados, olhar atento a pequenos pormenores que revelam outras pequenas histórias. E lá na frente, em cima do andor, Jesus com a cruz às costas, "Nosso Senhor dos Aflitos". Na minha aldeia, num sitio que aprendi a gostar.